quinta-feira, 27 de setembro de 2012

De como curei um garoto - Parte IV

Naquela noite, já fortalecido, o menino acompanhou-me a uma das casas de tolerância mais honestas da região. Comadre Lucinda, senhora danada, muito secretamente amiga minha, preparara uma de suas melhores meninas para dar ao rapaz o que o diabo queria.


Num primeiro momento, ainda zonzo, ele estranhou o Roberto Carlos que cantava baixinho ao fundo e me perguntava como alguém queria que seu estabelecimento fosse respeitável sendo decorado essencialmente com aquele tom de verde tão pálido. “E que cheiro é esse?”, dizia com a voz firme de um homem macho. “Esse, meu jovem, é o cheiro típico dos cabarés. O cheiro da vida das moças. Parece talco, mas não é. Parece sabonete glicerinado, mas não é. Isso é cheiro de pele de mulher danada, meu jovem”. “Mulher danada?”. “Aguarde e verá.”

Veio então Comadre Lucinda, que se apresentou e de quem muito respeitosamente beijei a mão, fazendo com que o moleque fizesse igual. Atrás dela estava Cássia, moça nova, de olhos verdes e cabelos curtinhos. Cássia era uma complexidade de compreensão porque não se podia ler tranquilamente sua face caso não se fosse dotado como eu sou. Seus olhos eram de uma menina, toda doce, e as sobrancelhas levemente erguidas davam-lhe um ar espantado. Isso assustou o jovem, que me chamou ao canto.

“Olha doutor, eu já entendi o que o senhor está fazendo aqui. Antes eu sairia correndo em um escândalo, mas agora até sinto-me à vontade...”. “É o extrato.”, disse-lhe vitorioso”. “... certo, é o extrato. Mas considere que essa moça aí não está à vontade, deve ser virgem como eu e está aqui a contragosto”.

Pondo-me ereto e segurando complacente um dos ombros do rapaz, olhei-o nos olhos dando-lhe um leve sorriso de canto de boca. “Meu rapaz, faz parte do tratamento que lhe ministro a total cura e formação de sua honestidade masculina e decência. Mas como bônus, para que não se assuste com este novo mundo que agora lhe surge, tenho também certas lições a lhe dar. E lhe as darei todas hoje, nesta noite, porque são sobre mulheres, e conhecendo os mistérios que cercam as filhas de Eva você também irá conhecer todos os mistérios que cercam o universo. Saiba, portanto, que não são os olhos delas que dizem tudo o que querem falar ou ser. Quem diz são as infinidades de curvinhas, gestos e cheiros que delas podemos discernir. Se essa moça, olhe novamente, tem os olhos assustados, por outro lado sua boca, que é pequena, fala a maior verdade. Repare, ali, que a fina linha formada pelo encontro de seus lábios, à direita, vai, de maneira muito lenta, perdendo sua horizontalidade, fazendo uma curvinha para baixo, demonstrando, sem sombra de dúvidas, a malícia de quem quer devorar o mundo inteiro e, neste instante, rapaz, esse mundo é você”

O rapaz como que dera um salto para trás, firmou-se nos dois calcanhares e estufou o peito. Cerrou os olhos como se fizesse um esforço descomunal para entender minhas explicações e cruzar minhas palavras com a realidade que naquele instante eram os lábios da moça.

Então, como quem houvera tomado uma decisão, o rapaz me encarou com olhar desconfiado, e baixou a cabeça enquanto balançava-a negativamente. Em seguida posicionou-se desafiador à minha frente, encarou-me com ar seríssimo e pôs as duas mãos nos meus ombros. Daquele rosto desafiador começou a se configurar um sorriso vitorioso, e então ele me abraçou com força e disse num entusiasmo adolescente:

“Dom Patrides, meu caro, o senhor está coberto de razão!!!”

E em passos cavalares foi até a moça, segurou-a pelo pulso e abriu-lhe o caminho com uma reverência e estendendo o braço para frente. Estava aprendendo.

Ele iria se dar bem.