sexta-feira, 13 de agosto de 2010

De como curei um gartoto - Parte III

“O extrato começa a fazer seus primeiros efeitos”. Tamanho era meu orgulho que seria impossível não reconhecer o ar vitorioso em meu semblante. Todas as noites de pesquisa passavam a fazer o sentido alquímico que eu tanto almejara. Não era previsto o ataque de vômitos que o garoto teve naquele dia e nos três seguidos, mas a voz normalizada era todo o resultado que esperávamos de início.

“Efeito!? Em primeiro lugar, não senti barato nenhum como o senhor prometeu, depois, como um troço desses pode tá curando se tô vomitando loucamente!?”. O rapaz bradava, ainda um tanto nervoso e empalidecido. Por mais de uma vez fez, ele, menção de querer agredir-me, mas seu corpo franzino não parecia querer obedecê-lo, de modo que sua sanha aguerrida findou-se sempre em tropeços e genuflexões involuntárias. Esses anos de febre constantinopolitana exauriram o pobre mancebo.

“É chegada a hora, meu jovem, de você preparar-se para um nova vida e esquecer seu passado doente. Vamos, primeiramente, paramentá-lo dumas peças menos coloridas e mais sóbrias e viris. Camisa alva com botões aperolados posta por dentro duma calça social negra; meia soquete preta, óculos Raybam e sapato branco do bico fino.”

“Ai, Dom Patrídes, ele vai ficar lindo!”, cantarolou a mãe, viuvinha, com um olhar satisfatoriamente brilhante, juntando as mãozinhas e elevando-se sobre a ponta dos pés. “Essas roupas seu papai as tinha todas, e vão servir em você sem dúvidas. Lacaia”, disse a viuvinha com muito respeito, “engome essas peças que Dom Patrídes falou e deixe arrumado já o óleo de cabelo e o pente de casco de tartaruga do falecido. Aproveita, ai meu Deus!, e deixa a corrente de ouro com o medalhão da Virgem pronto, caso ele queira usar também. Ele pode, não é, Dom Patrídes?”

“Pode e deve.”

As mulheres levaram-no para seu quarto, um tanto quanto à força, já que o menino não tinha a mínima intenção de largar mão daquelas suas vestimentas de gosto duvidoso. Mas o pobre estava tão fraco que parecia um molequinho sendo arrastado. E o mesmo esforço também não lhe valeu para fugir do banho e da raspagem do esmalte negro que tinha nas unhas das mãos.

Colocaram as roupas em seus membros moles. Ele tentava falar e não podia. Tentava mover-se, mas esmorecia. E em meia-hora foi novamente apresentado. Todo bonito, conforme já lhes falei, e ainda com cabelo cortado.

Assentava-lhe bem o cabelo bem penteado para trás e o bigodinho fino que primorosamente as moças conservaram, mas o pobre parecia um zumbi, olhando para o nada.

“Dêem-lhe um pouco de cachaça para despertar, que é só assim que vai, segundo disse o livreto. Assim que acordar completamente, vamos, nós dois, bem ali, num lugar secreto, do qual nem a senhora, nem sua empregada, nem outra mulher de bem nenhuma deve saber. Ele vai se dar bem”, disse, olhando sensualmente nos olhos incendiados da serviçal, já que os da mãe lacrimejaram e não serviam para meus propósitos irreveláveis.

(continua...)