segunda-feira, 5 de abril de 2010

Carta de um bisavô para seu (bis)neto

Senhores e Senhoras.

Transcrevo abaixo um documento memorável, escrito há alguns anos e que eu adaptei ao português moderno.

Sua idade não exclui o fato de que seus desígnios muito bem aplicam-se aos dias de hoje.

Como o manuscrito que me chegou às mãos não estava em bom estado, tomei a liberdade de fazer alguns complementos, mas estes vão corretamente indicados em itálico, sendo que o resto todo, oriundo da folha original, está destacado em negrito.

Resumindo:

- Complemento = itálico
- Original = negrito

Boa leitura!



"Um dos meus bisnetos agora será pai. É uma ocasião deveras importante para mim, pois não pensei que fosse chegar a esta idade ainda tão sóbrio. Sóbrio o suficiente para ver meu sangue mais uma vez propagado, levando adiante o honrado nome dos Patrides por pelo menos mais um século e adiante!

O que queria dizer a meu neto (que na verdade é meu bisneto, mas o chamo assim por uma questão de praticidade) é que ser pai é uma das grandes experiências da existência, mas ter um filho trás consigo, também, uma enorme responsabilidade. A responsabilidade da criação, de produzir para o mundo um ser humano correto, probo e útil para sociedade. Por isso, deixo-lhes algumas dicas.

Em primeiro lugar, saiba que o homem é o centro da vida social, e essa mascolocentria (optei por utilizar mas“co”locentria, por achar o cu um tanto inadequado para meus padrões) deve repetir-se primeiramente no seio familiar. Você é o provedor da sua casa, e sua mulher é o pilar dela. Você deve dar condições para que esse pilar se sustente, e estar sempre atento a suas degenerações e influência das intempéries do mundo, que muitas vezes cuidará para deformá-la, aproveitando-se da fraqueza natural do sexo feminino. Sua atenção é que vai garantir que sua mulher seguirá inabalável, no caminho inexorável dos bons costumes, donde seus filhos colherão importantes frutos.

Todos os meses, antes de sua bisavó morrer, dava-lhe em sua mão quase a totalidade da paga de meu suado trabalho, guardando uma coisa ou outra apenas para manter em dia minha quota de uísque e vinho, e comprar meus fumos aromatizados para cachimbo, além de sustentar uma ou outra esbórnia com meus fiéis companheiros – sem contar as vezes em que pagava zero dobrões, por motivos que conhecerá com o tempo.

Depois de sua morte, não faço nada além de gastar tudo com prostitutas e jovenzinhas. (Não é a cerne desta mensagem, mas saiba que seu avô - bisavô, mas aplico aqui a mesma praticidade relativa ao “bisneto” - aqui ainda dá “conta do recado”, para usar os termos chulos e baixo praticados por nossa irresponsável e decadente juventude).

Mas como dizia, de sua parte, minha esposa lavou bem nossos filhos, ensinou-lhes desde muito cedo as santas rezas, e manteve atualizado meu guarda-roupa. Tirou a poeira dos livros e deixou a sala de jantar sempre bem conservada, de modo que não havia vergonha nenhuma em chamar meus companheiros para longas noites de carteado, enquanto ela ficava na sala contígua com as outras damas, bordando e trocando idéias sobre a manutenção da família.

Sei que sua esposa não deixará por menos, meu neto.

Obviamente, também tive minha parte na criação dos garotos, conquanto haja sido menos presente na criação das meninas, mas isso é algo natural e correto. O que ensinei a elas foi apenas complemento do que sua avó (bisavó, mas aplico aqui a mesma praticidade relativa ao “bisneto” e ao “bisavô”) tão bem já havia trabalhado. Mas em geral, estive presente nas atividades lúdicas, nas indicações de leituras adequadas para cada idade e gênero – enchi os garotos com Júlio Verne e Decamerão, e as meninas com os panegíricos aos santos e contos de fada de princesa -, bem como transmitindo os basilares morais para a boa vivência e os costumes de bom gosto que lhes garantiriam uma melhor posição social e intelectual.

Lembro-me bem de meu primogênito. Levei-o pela primeira vez para montar a cavalo no aras de um amigo meu, e logo o rapaz demonstrou tão grande destreza nas artes de equitação, que foi maravilha. Todos me perguntaram como aquele rapaz, ainda tão jovem e com pouca experiência, matinha-se tão elegante e equilibrado no lombo da besta. Nada falava, mas pensava “este equilíbrio físico, vem de seu enorme equilíbrio moral!”.

Hoje ele está aí, campeão olímpico! Mas também versado em literatura e engenharia; química e cartofilia, mesmo que não atue em nenhuma das áreas e viva às custas de um polpuda aposentadoria legada pelo Estado
(hoar hoar hoar).

Não houve falhas! E não haveria porque falhar, pois que foi assim que vi meus antepassados operarem. Como homens agiram meus tios, meus avós e meus pais. Como homem agi eu. Como homem agiu seu avô e seu pai. Como homem, deverá agir você.

E é isso, para resumir, que quero lhe transmitir. Para seus filhos, apenas haja como homem, tratando as mulheres em sua condição e os homens nas deles, de forma muito diferenciada uns dos outros
.

Agindo assim, tenha por certo de que estará deixando para o mundo uma figura importante e diferenciada. Assim como eu sou."

2 comentários:

  1. Amigo de longa data, lendo o texto, lembrei-me de procurar um colégio para meu primogênito (que ainda não tenho), mas não consegui encontrar nenhum centro de saber que ministre a saudosa disciplina Educação Moral, Cívica e Física como nos moldes dos setenta do século passado. Uma pena... uma pena... (Ten. Garrastazu).

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  2. Nos tempos de hoje já não temos tão boas opções como outrora. O correto, e assim planejo, é contratar uma preceptora cheia de atrativos (se é que o senhor pode me entender) e deixá-la dedicada a formar os meninos nas atividades de lazer. E de outro lado, um professor carrancudo, moralista e clássico, para transmitir-lhes uma educação conservadora e ensinar-lhes a falar com sotaque esnobe. Codiais abraços, Dom Patrídes.

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